“O desafio do jornalismo é gerar ação diante da crise climática, não compaixão”
Elisenda Forés, jornalista especializada em emergência climática
Marc Solanes Calderón
Jornalista. Editor-chefe de conteúdos próprios da Sostenible.cat
03/10/2025 - 14:50
A jornalista Elisenda Forés, especializada em clima e meio ambiente, apresenta um decálogo pioneiro para melhorar a cobertura midiática da crise climática e reivindica um jornalismo que inspire ação e coerência.
Elisenda Forés durante a apresentação do seu estudo, na quarta-feira, 1º de outubro, no Colégio de Jornalistas da Catalunha.
Com apenas 24 anos, a jornalista barcelonesa Elisenda Forés tornou-se uma das vozes mais jovens do jornalismo climático na Catalunha. Trabalha no Diari ARA desde 2023 e, ainda durante a graduação, foi reconhecida com o Prêmio Arcadi Oliveres pelo seu trabalho final sobre a cobertura midiática da crise climática. Na semana passada, apresentou, na jornada “Debats Oberts: fent camí cap al VII Congrés de Periodistes de Catalunya”, um estudo encomendado pelo Consell de la Informació de Catalunya que analisa como os meios trataram a emergência ambiental na última década e que culmina com um decálogo de recomendações deontológicas. O documento chega um mês antes do congresso, onde se planeja incorporá-lo como anexo à revisão do código deontológico da profissão, uma atualização que não ocorre desde 2016.
— Você tem apenas 24 anos e já apresenta um decálogo que pode modificar o código deontológico dos jornalistas. Como foi chegar até aqui?
Foi um processo muito intenso e enriquecedor. Meu trabalho de conclusão de curso já se centrou em como a TV3 tratava a crise climática e ganhou o Prêmio Arcadi Oliveres. Isso me incentivou a continuar pesquisando. Mais tarde, o Consell de la Informació de Catalunya me encomendou um estudo completo sobre o tratamento da crise climática nos meios, que realizei durante um ano e meio. Creio que, se for aprovado como um anexo ao código, eu seria a pessoa mais jovem da história a modificá-lo.
— Qual é o objetivo deste estudo?
Queríamos entender duas coisas. Como evoluíram as coberturas sobre a crise climática e quais desafios ainda temos como jornalistas. Por isso combinei análise de conteúdo com entrevistas a cientistas, jornalistas e especialistas institucionais. A conclusão é que a quantidade de notícias cresceu muito nos últimos anos, mas isso nem sempre se traduziu em um melhor tratamento qualitativo.
— De fato, você fala de uma perda de confiança do público.
Sim. Os dados internacionais mostram que as pessoas confiam cada vez menos nos meios quando se fala de crise climática e, por outro lado, atribuem muito mais credibilidade a cientistas e instituições como a ONU ou a União Europeia. Essa lacuna é um problema e mostra claramente que os meios não estamos fazendo bem o trabalho de traduzir conhecimento científico em informação útil e mobilizadora.
“Em 2022, no próprio Diari ARA, fizeram uma pesquisa e os resultados foram muito claros. 92% do seu público estava preocupado ou alarmado com a crise climática, e 79% queria mais cobertura em profundidade.”
— Na Catalunha também houve mudanças na cobertura midiática?
A partir de 2019, com as manifestações das Fridays for Future, houve um salto. Os meios generalistas começaram a dedicar mais espaço ao tema. Lembro que a Sònia Sánchez, do Diari ARA, explicava que a entrevista com Greta Thunberg naquele ano foi uma das mais lidas do jornal. E na TV3 também se percebeu. Mas ainda há muito caminho a percorrer para que a crise climática seja tratada com a mesma centralidade que a política ou a economia.
Em 2022, no próprio Diari ARA, foi feita uma pesquisa e os resultados foram muito claros. 92% do público estava preocupado ou alarmado com a crise climática, e 79% queria mais cobertura em profundidade. Isso mostra que o interesse existe, mas a percepção é que ainda é difícil convencer dentro das redações de que este é um tema editorial prioritário.
Se a anexação do estudo for aprovada, Elisenda Forés seria a jornalista mais jovem da história a modificar o código deontológico.
FOTO: COL·LEGI DE PERIODISTES
— Quais são os pontos centrais do decálogo que você propõe?
O decálogo tem onze recomendações, mas há algumas que considero chave. Uma é romper relações com as empresas mais poluentes: não se pode publicar anúncios de uma petroleira e, ao mesmo tempo, notícias que alertem sobre os combustíveis fósseis. Outra é que a crise climática deve ser transversal. Deve aparecer nas editorias de cultura, economia, política… não pode ficar confinada a uma seção pequena. Também sublinhamos que é uma questão de justiça global e de direitos humanos, algo a ser considerado quando falamos do peixe que importamos ou da procedência das peças de roupa que consumimos, que costumam ter origem no Sul global.
Explicar apenas catástrofes gera o que chamamos de fadiga climática: as pessoas se desconectam porque se cansam de ouvir más notícias sem soluções. Por isso defendemos um jornalismo que gere ação e não compaixão. Não se trata de adoçar a realidade, mas de mostrar que há alternativas e políticas que funcionam. É o que se conhece como jornalismo de soluções.
— Você também fala da falsa simetria. Que perigos ela traz?
Não podemos colocar no mesmo plano o consenso científico e os discursos negacionistas. Fazer isso não é imparcialidade: é desinformação. É uma das coisas que mais prejudicam a credibilidade jornalística. Durante anos, colocamos muito foco no degelo do Ártico ou em incêndios distantes, que são questões graves, mas quando você explica às pessoas como a crise climática afeta sua saúde, sua economia ou sua soberania alimentar, o impacto é muito maior. Precisamos de mais jornalismo local e de proximidade.
— Em um dos pontos que você propõe, faz especial ênfase na importância de recursos visuais narrativos para contar histórias. Por que são tão importantes?
Na verdade, são fundamentais. Imagens, gráficos, interativos… ajudam a entender conceitos complexos e são uma ferramenta para captar atenção. Mas é preciso fazer bem: não podemos continuar usando sempre a imagem clichê do urso polar. Devemos mostrar como a crise climática nos afeta diretamente.
“Eu gostaria que houvesse um compromisso firme para que a crise climática seja uma questão editorial e não apenas a iniciativa de alguns poucos jornalistas conscientes.”
— Você acha que os jornalistas estão suficientemente formados para abordar esses temas?
Nem sempre. Por isso, uma das propostas é que toda a redação receba formação básica em crise climática, não apenas os especialistas. O olhar climático deve ser compartilhado por todos: desde quem cobre política até quem faz cultura. Além disso, isso é essencial também para não cair em informações não verificadas ou explicar de forma errada alguns dos conceitos mais importantes.
— No seu estudo você faz uma radiografia dos meios que, no âmbito qualitativo, não é muito esperançosa, mas também apresenta propostas claras e firmes para que isso mude. Acha que vamos conseguir?
Eu gostaria que houvesse um compromisso firme para que a crise climática seja uma questão editorial e não apenas a iniciativa de alguns poucos jornalistas conscientes. Se o decálogo for incorporado ao código deontológico, teremos uma ferramenta ética e profissional para exigir coerência dos meios. E, sobretudo, para fazer um jornalismo que não apenas explique o que acontece, mas que ajude a sociedade a agir de verdade.
original em https://www.sostenible.cat/node/131104
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