Cidades que aprendem com a ciência: a resposta à uma crise do design

em terça-feira, 27 de outubro de 2020

 

Areti Markopoulou

 

O coronavírus se espalhou mais rapidamente em núcleos urbanos densos, resultando em mais mortalidade do que nas áreas rurais. Tendo desenhado o diagrama do comportamento do vírus e sua propagação nas cidades, percebemos que, além de uma crise sanitária, o que vivemos hoje é também uma crise de design, da forma como planejamos e construímos nossas cidades e habitações.

A crise pandêmica que afetou o mundo é muito mais do que uma crise sanitária. Cidades superpovoadas, o transporte de pessoas e mercadorias por longas distâncias, bem como o aumento de pacientes com deficiências respiratórias devido à poluição ambiental ou interna têm sido as principais causas do crescimento exponencial do novo vírus. A Covid-19 mudou tão rápido quanto os bens de consumo mudam de uma parte do mundo para outra. E se espalhou mais rapidamente em cidades densas, resultando em uma taxa de mortalidade mais alta em comparação com as áreas rurais.

A elevada densidade das cidades e a procura do maior benefício imobiliário possível, antes da qualidade do espaço, têm levado também à existência de um grande número de edifícios "doentes" e sobrelotados. Unidades domésticas, residências e quarteirões urbanos inteiros que não possuem orientação adequada, exposição solar e ventilação natural resultam em um efeito adicional ao do vírus: a deterioração da saúde física e mental das pessoas por estarem confinadas e isoladas em casas totalmente interiores e minúsculas. Hoje, esse tipo de construção se tornou uma norma comum nas cidades, que também parecem planejadas para obrigar os cidadãos (ou produtos) a investirem muito tempo para chegar ao seu destino, tanto em transportes públicos como privados. São cidades baseadas em economias de escala, cuja produção é frequentemente centralizada por meio de fábricas remotas obsoletas.

Tendo desenhado o diagrama do comportamento do vírus e sua propagação nas cidades, percebemos que, além de uma crise de saúde, o que vivemos hoje é também uma crise de design. Os imprevistos problemas sociais e de saúde que nosso mundo enfrenta hoje e os desafios sociais e econômicos adicionais (provavelmente mais sérios) que enfrentaremos durante e após a recuperação da saúde nos incitam a repensar e reestruturar muitas das tradições de design de edifícios e da própria cidade, bem como as bases sobre as quais operaram nas últimas décadas. Repensar o design combinando-o com a ciência multidisciplinar para priorizar a qualidade de vida das pessoas é um caminho poderoso de fazer a arquitetura inovar e, portanto, gerar mudanças e um impacto positivo no ambiente construído e a sociedade que o habita.

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A atual pandemia nos mostrou que depender de sistemas 

externos não é sustentável nem resiliente. O ambiente 

construído deve ser mais autossuficiente na produção dos

 recursos de que necessita


Biologia e natureza como modelo

Se você aprender com a biologia (sintética) e a própria natureza, o projeto arquitetônico pode inovar redefinindo o ambiente construído e as cidades como organismos vivos; organismos que podem filtrar o ar, autorregular sua própria temperatura ou fornecer altos níveis de oxigênio e ventilação de qualidade. Se considerarmos que, em todo o mundo, cerca de sete milhões de mortes por ano são atribuídas aos efeitos conjuntos da poluição do ar na casa e no meio ambiente, apelamos ao projeto arquitetônico para que redefina o desempenho dos edifícios e da cidade e comande uma mudança positiva, não só na qualidade espacial, mas também no bem-estar físico dos seus habitantes.

Existem mais funções biológicas que podemos adicionar ao nosso ambiente construído, como a produção de recursos dentro de uma rede de nós interconectados. Prédios e cidades podem se tornar fractais celulares hiper conectados, capazes de produzir e fornecer recursos localmente, como alimentos ou energia, e distribuí-los entre as células. A atual pandemia nos mostrou que depender de sistemas externos não é sustentável nem resiliente. O ambiente construído deveria ser mais autossuficiente na produção dos recursos de que necessita e mais inteligente na forma como usa seus "subprodutos", como são os rejeitos. A natureza, por exemplo, não reconhece a noção de “rejeição”; todos os produtos se tornam recursos para outro sistema funcionar e viver. O ambiente produtivo construído torna-se, portanto, um sistema vivo que opera em um metabolismo circular, impulsionado pelos princípios de produção, reutilização e ciclo ascendente de recursos.



Sistema de produção de comida para fachadas de edifícios. Proyecto: Creative Food Cycles, Advanced Architecture Group, IAAC, 2019

 

A aposta por materiais naturais e orgânicos

Dado o fato de que nossos edifícios atuais são os principais poluentes de CO2 e consumidores de energia, e que o setor de construção é o principal gerador de resíduos no mundo, a arquitetura é instada a redefinir o metabolismo de edifícios e cidades. Se você aprender com a ciência dos materiais, o design arquitetônico pode promover a criação de ambientes interiores mais saudáveis, evitando plástico, chumbo e outros materiais tóxicos tradicionalmente usados ​​na construção de interiores. Compostos bio, naturais e orgânicos novos ou renovados (que incluem terra, biomassa, cerâmica e certos tipos de madeira) podem melhorar a qualidade do ar interno e reduzir doenças respiratórias, contribuindo para o resfriamento e aquecimento passivos, o que atenua, portanto, a necessidade de aumentar a estanqueidade de interiores que, por sua vez, pode ocasionar a concentração de ácaros do pó.

Em vez de materiais sintéticos altamente projetados, precisamos insistir em um novo paradigma para materiais de construção derivados de recursos naturais ou criados por fluxos de resíduos orgânicos, que podem ser transformados em novos recursos para criar produtos de engenharia civil e arquitetura que contribuam para uma nova cadeia de valor onde os resíduos ou o conteúdo orgânico são os principais recursos. Devemos também prestar mais atenção aos artesãos locais ou às comunidades de fabricantes e makers que estão contribuindo para a criação de uma variedade de “receitas” e técnicas de DIY, (“do it yourself” ou faça você mesmo) para produzir novos compostos reciclados ou de base naturais e bio. Potencializados pela cultura do código aberto e da Internet, os indivíduos e as comunidades locais podem personalizar essas novas bibliotecas de materiais para construir seus próprios refúgios de produtos "circulares".


  Uso de terra crua que se pode encontrar in situ para impressão 3d de edifícios. Proyecto: 3d printed Architecture, Advanced Architecture Group, IAAC, 2017,

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     Em uma sociedade digital acelerada, os dados coletados de bilhões de dispositivos e nossas impressões digitais são o combustível mais valioso para impulsionar os motores do planejamento sustentável.

 

Algoritmos e inteligência coletiva, ferramentas de planejamento

Finalmente, pode-se aprender com a ciência de dados e as ciências sociais. O design arquitetônico e a análise urbana podem integrar modelos estatísticos e algoritmos para prever fenômenos, incluindo epidemias ou desastres naturais, entre outros. A Internet das Coisas, tecnologias de sensores e aplicativos móveis tornaram-se ferramentas essenciais durante a crise pandêmica para monitorar, prever e prevenir focos de vírus. E também podem prever outras crises, como a climática. Em uma sociedade digital acelerada, os dados coletados de bilhões de dispositivos e nossas impressões digitais são o combustível mais valioso para impulsionar os motores do planejamento sustentável.

Mas aprenderemos ainda mais se observarmos e analisarmos a inteligência integrada nas decisões desorganizadas dos usuários em nosso ambiente construído. Ao sobrepor dados quantificados com dados qualitativos dos desejos das pessoas, podemos planejar soluções com base nas necessidades reais dos cidadãos em face do nosso futuro ambiente urbano. Assim, precisamos investir em modelos de design de inteligência coletiva que vão além da inteligência cognitiva ou artificial. A combinação de big data, inteligência artificial e inteligência coletiva (crowd intelligence) abre possibilidades únicas para cocriação e planejamento centrados no ser humano e impulsiona designs adaptativos e ​​em tempo real que atendem tanto  
às pessoas como para criar estratégias de resiliência no entorno em que habitam.

 

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O design e o planejamento devem fazer as perguntas apropriadas

 para ter um impacto positivo radical na maneira como vivemos e

 interagimos.


 


Uso de big data para detectar e reprogramar infraestruturas na cidade em tempos de pandemia . Proyecto: Reactive Pandemic Protocol, Studio: Internet of Buildings, Advanced Architecture Group, IAAC, 2019

Somos agora instados a mudar a noção de materialização, gestão e construção de nosso ambiente construído. O conceito de “cidades e edifícios duradouras ​​e de consumidoras” deve dar lugar a espaços construídos que produzem, gestionam e reaproveitam ou transformam recursos, e que operam em simbiose com seus usuários e o meio ambiente. Também temos pressa em interpretar a atual crise sanitária como uma crise de design, com criatividade e inovação no epicentro de nosso ambiente construído e de nossas cidades. As cidades e edifícios que planejamos e construímos hoje moldam os cidadãos e a sociedade. Em vez de explorar apenas estratégias e tecnologias para prever surtos ou vigiar a sociedade, o design e o planejamento precisam buscar inovação e fazer as perguntas certas para ter um impacto radicalmente positivo na maneira como vivemos e interagimos hoje, e especialmente pensando no amanhã.

O design e as tecnologias multidisciplinares tornam-se aqui aliados numa batalha sem precedentes para restaurar os efeitos do impacto da nossa construção em um mundo o qual, por seu turno, está a mudar a velocidades nunca antes concebidas.

 

Referências bibliográficas

Jacobs, J., The Death and Life of Great American Cities. Vintage, Nova York, 1992 (publicat originalment el 1961). Edició en castellà: Muerte y vida de las grandes ciudades. Capital Swing, 2011.

Surowiecki, J., The Wisdom of Crowds. Anchor, Nova York, 2005. Edició en castellà: Cien mejor que uno. Urano, 2005.

Markopoulou A., Yuan P., "Design Integration: Global Technological Advancement and Local Culture" a Sheil B., Ramsgaard Thomsen M., Tamke M i Hanna S. (eds.) Design Transactions: Rethinking Information Modelling for a new Material Age. UCL Press, Londres, 2020 (pàg. 92-98).

McDonough, W. i Braungart, M., Cradle to Cradle: Remaking the Way We Make Things. North Point Press, Nova York, 2002. Edició en castellà: Cradle to cradle. Rediseñando la forma en que hacemos las cosas de la cuna a la cuna. McGraw-Hill, 2005.

Pauli, G., The Blue Economy: 10 Years, 100 Innovations, 100 Million Jobs. Paradigm Publications, Taos, 2010. Edició en castellà: La economía azul / The Blue Economy: 10 años, 100 innovaciones, 100 millones de empleos. Tusquets, 2011.

Armstrong R., Soft Living Architecture, An Alternative View of Bio-informed Practice, Bloomsbury Visual Arts, Londres, 2018.

Gausa, M., Markopoulou, A., Vivaldi, J., Black Ecologies. Actar Publishers, Barcelona, 2020.

Recursos digitais

Ellen MacArthur Foundation 2012, “Towards the Circular Economy: an economic and business rationale for an accelerated transition” a Journal of Industrial Ecology, Illa de Wight, consultat el 4 de febrer de 2020.

Directiva 2010/31/UE del Parlament Europeu i del Consell, relativa a l’eficiència energètica dels edificis, Diari Oficial de la Unió Europea, consultado el 4 de fevereiro de 2020.

 

 

Traduzido por paulo celso da silva com autorização expressa da autora, Dra.Areti Markopoulou

O texto original em catalão pode ser lido  em : https://www.barcelona.cat/metropolis/ca/continguts/ciutats-que-aprenen-de-la-ciencia-la-resposta-una-crisi-de-disseny

Publicações recomendadas

·         Black Ecologies (IAAC Bits 9)Gausa, M; Markopoulou, A; Vivaldi, J. Actar, 2020

 



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