Os horizontes civilizantes disponíveis são vastas
litanias de medicalização, tecnologia e modelos de guerra contra os vivos. Os
Estados se debatem em diferentes estratégias de gerenciamento de máquinas de super-humanização
que chia - oxidada, mas não obsoletas – ao ritmo de apropriação, extração e a
produção. Máquinas que funcionam na medida do possível em que não são percebidas
como tal, pela arte dos descarados e suas parábolas sobre a necessidade e a normalidade.
Quem é o soberano das democracias contemporâneas? Como se resolve a controvérsia
entre saúde vs. economia? Que imagens do
ser humano produzem essas máquinas discursivas?
Não há migalhas de pão que nos levem de volta à
caverna para sentirmos segurxs entre suas sombras. É o nosso próprio habitat
que nos sitia e nós revela como uma ameaça. O desejo de retorno a uma vida
passada - montada sobre efeitos analógicos, presenciais, tridimensionais -
persiste sobre a imagem fragmentária de um espelho quebrado e seu efeito de
verdade sobre o real. Por acaso, as telas são a zona erógena da memória? Quais
(ou quem) são as capturas da tela? Existe normalidade em algum extremo cardinal
do tempo? É um estado ao qual deveríamos querer retornar ou chegar? Um feed
de perguntas nos bloqueia.
Nós já aprendemos ou deveríamos ter feito: não se
supõe que daremos ao futuro uma forma suportável, pelo contrário, é essencial
ser hospitaleirxs com o andarilho absoluto - a singularidade que é
revelada com o COVID-19 - hospedar o anfitrião e assumir plenamente as
condições de possibilidade de sua existência; isto é, assumir a dimensão
histórica e antropológica do vírus e, portanto, nossa responsabilidade ética no
atendimento à comunidade. Assim como não devemos ver o animal (essa alteridade)
como uma mancha de Rorschach - na qual nos projetarmos - não deveríamos
conceber o vírus como um agente autônomo capaz de chegar e transmitir-se mais
além de nossas ações.
Posnormales reúne trabalhos
transdisciplinares que tratam de pensar o campo da política (público e estatal,
coletiva e antagônica), com base em um slogan que propõe maneiras de sobrepor-se
e adaptar-se ativamente aos cenários traumáticos - morte e isolamento - aos quais
nos mostra o estado de pandemia e as lógicas de imunização neoliberais /
neo-individuais.
Depois de Sopa de Wuhan y La Fiebre, aparece
este livro para pensar no que está por vir. Ainda é urgente perfurar os
discursos da ordem estabelecida, pois temos apenas algumas poucas previsões,
escritas com gramáticas do passado. Gramáticas que, como toda linguagem, são em
si mesmas um contrato (uma textualidade performática) e, como tal, devem ser
revisadas para agenciar outras que sejam capazes de interromper as figuras totalizantes e suas
ficções reguladoras.
Esta terceira edição, exposta a leituras
imprevistas de um público sem fronteiras, apoia nosso compromisso: Enquanto o
confinamento persistir, a ASPO continuará a publicar.
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