COMO DONALD TRUMP AFETARÁ A LUTA CLIMÁTICA GLOBAL

em sexta-feira, 23 de maio de 2025

 Os piores 100 dias para a luta climática

publicado em 19/05/2025 - 08:00

Os Estados Unidos vão contra a corrente do resto do mundo e do mercado, que já encaminha a transição para energias renováveis cada vez mais rentáveis.

Foto: GETTY


Nos seus primeiros 100 dias de mandato, Donald Trump fez mais ataques ao meio ambiente do que em toda a sua legislatura anterior. Segundo um levantamento do The Guardian, nesses primeiros três meses, ele impulsionou 175 medidas para desfazer o legado climático do seu predecessor, eliminar regulamentações ambientais de todo tipo e impulsionar a extração de gás e petróleo. Supera em um tempo recorde as 110 reformas e revogações de leis ambientais que fez nos seus primeiros quatro anos na Casa Branca.

A intensidade da agenda anti-climática de Trump neste segundo mandato pegou todos de surpresa. No dia seguinte à sua posse, quando já havia saído do Acordo de Paris pela segunda vez (no mandato anterior ainda hesitou uns cinco meses antes de decidir dar esse passo, mas desta vez o fez no mesmo dia da sua investidura), a maioria dos especialistas climáticos ainda minimizava a situação. Certamente, a retirada dos Estados Unidos desse pacto global entre 2017 e 2021 não foi um desastre, e provou, de fato, a "resiliência" de um acordo internacional que já nasceu com deficiências, começando pelo fato de que não é vinculante.

A maioria dos especialistas climáticos sustenta que a descarbonização da economia mundial está em marcha, diga o que diga e faça o que faça o presidente Trump. "Uma coisa que mudou em relação a 2017 é que a economia limpa avançou muito: a China agora vê que é melhor para o seu interesse econômico e de segurança produzir tecnologia limpa, e não mudará o seu curso, algo sobre o qual havia muitas dúvidas há oito anos. E o mesmo em relação à Comissão Europeia", me disse Linda Kalcher, diretora do think tank europeu Strategic Perspectives.

Pep Canadell, um cientista catalão de renome mundial, diretor do Global Carbon Project, concorda: "A descarbonização mundial é inevitável. Trump talvez a desacelere um pouco, mas a direção em que vamos está fixada e vai muito além de qualquer política concreta, inclusive a do país economicamente mais poderoso", me disse por telefone de Canberra, onde vive há anos e acompanha a evolução das emissões globais. Canadell destacou que 90% do pacote climático que Joe Biden aprovou (430 bilhões para reduzir as emissões dos Estados Unidos em pelo menos 40% até 2030) já estava alocado antes da chegada de Trump 2.0. Esse grande investimento se verá refletido no gráfico de emissões mundiais nos próximos dez anos, disse o especialista.

Mas as medidas desta segunda administração Trump são muito mais drásticas e, digamos claramente, absurdas, do que teríamos pensado. O seu afã pelo drill baby drill (perfura, baby, perfura) pode ser lido como a vitória da poderosa indústria dos combustíveis fósseis norte-americana. Não esqueçamos que, durante o mandato de Biden, os Estados Unidos já haviam se tornado o primeiro produtor e exportador mundial de gás, graças ao isolamento global da Rússia. Mas agora, além disso, entre as 175 medidas anti-ambientais dos 100 dias de Trump, há normas para bloquear novos projetos solares e eólicos, e uma declaração de uma suposta "emergência energética" pensada para reativar a indústria do carvão. A nação mais poderosa do mundo aposta em uma tecnologia ineficiente e em declínio, e freia o desenvolvimento da tecnologia renovável, muito mais barata e pujante.

Há outra diferença com a primeira administração de Trump: chega quando o mundo já superou pela primeira vez o limite de 1,5 °C de aquecimento global. Os Estados Unidos vão contra a corrente do resto do mundo e do mercado, que já encaminha a transição para energias renováveis cada vez mais rentáveis. Assim como acontece com a sua absurda guerra comercial, essa política anti-renováveis e anti carro elétrico de Trump pode ser um tiro no pé. As indústrias automobilísticas norte-americanas, aquelas que Trump diz querer salvar da globalização, estavam imersas em um processo de eletrificação que deveria criar emprego e que agora fica em um nada.

A quem isso beneficiará? À China, que reafirmará a sua liderança no mercado das renováveis e dos carros elétricos, e - por puros interesses econômicos - se converterá em líder involuntária da luta climática global. 

A União Europeia, que mantém o seu compromisso com o Green Deal, apesar das resistências da extrema direita e dos cantos de sereia do populismo trumpista, terá que se voltar para a China para poder fazer a transição energética e a reconversão do seu parque móvel no ritmo que se requer.

As tentativas de romper a dependência europeia de Pequim (principalmente no que diz respeito aos minerais críticos indispensáveis para a tecnologia verde) provavelmente terão sucesso, mas não chegarão a tempo. Mesmo assim, sou da opinião de que a urgência da transição ecológica global deve passar à frente de outras considerações políticas e, se a tecnologia acessível para essa transição vem da China, bem-vinda seja.

Mas dito isso, o fato de que a primeira economia do mundo e o segundo país que mais CO₂ emite esteja remando contra o resto do mercado não pode ser inócuo e seguramente arrastará mais quota do que poderíamos imaginar. Como amostra, a decisão dos grandes bancos norte-americanos de recuar de todos os seus compromissos com as "zero emissões". E não só isso, mas os cortes de Elon Musk reduziram à metade o orçamento para ciências da Terra da NASA e da agência federal de meio ambiente (EPA) e ameaça agora com um corte drástico de pessoal e recursos na NOAA, a agência científica oceânica e atmosférica mais potente do mundo.

Tudo isso não será inócuo porque há outra diferença com a primeira administração de Trump, esta especialmente preocupante, e é que chega quando o mundo já superou pela primeira vez o limite de 1,5 °C de aquecimento global, muito antes do esperado. "Temos que ter claro que ganhar a luta contra a mudança climática tarde significa perdê-la, porque esta é uma luta contra o relógio", me disse Olga Alcaraz, do Grupo de Governança pela Mudança Climática da UPC e veterana das negociações climáticas globais.

Em definitiva, Trump não vai parar a luta climática global e a descarbonização mundial, mas fica claro que vai desacelerá-la, e talvez mais do que pensávamos. E só isso, em um processo que já ia muito mais lento do que o planeta pode permitir, pode ser devastador.

TEXTO ORIGINAL DISPONÍVEL EM https://www.sostenible.cat/node/130635

tradução livre . 

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