Recovery Italiano: Recuperando a soberania tecnológica, olhando para a Europa e investindo no futuro.
Fracesca
Bria
Aqui o vídeo de meu discurso
https://www.facebook.com/partitodemocratico/videos/296467501713269
Estamos ainda no meio de uma
emergência global, que representa um choque econômico sem precedentes, "a
pior recessão desde a Grande Depressão". Décadas de polarização econômica
aumentaram as desigualdades e criaram uma precariedade generalizada, que o lockdown
agravou para muitas pessoas. Quanto mais profunda a crise, mais provável é que
as pessoas não estejam pedindo um retorno ao normal, mas um salto para algo
diferente e melhor. Hoje, a pergunta a ser feita é se somos capazes de
transformar essa emergência em uma oportunidade histórica de reconfigurar
sociedades e economias melhores, olhando para o futuro.
Para enfrentar a transformação
digital de forma estrutural, precisamos entender o impacto de suas mudanças e
saber orientá-la e governá-la. Precisamos colocar as pessoas no centro e deixar
claro que essa transformação digital que temos em mente dará mais poder aos
cidadãos e às comunidades, não criará novas desigualdades e melhorará as
condições de trabalho. E é uma questão central na agenda política, pois não
devemos apenas acelerar a digitalização, mas também orientá-la, porque se trata
de usar as tecnologias digitais para alcançar a sustentabilidade social e
ambiental.
No que diz respeito à agenda italiana de curto e médio prazos,
três elementos emergem em particular:
1. Em primeiro lugar, o fosso
digital da infraestrutura: as infraestruturas de rede revelaram-se
infraestruturas críticas das quais dependem os serviços essenciais da sociedade
e, por isso, o seu acesso deve ser visto como um direito fundamental de todos
os cidadãos. Portanto, é necessário conectar todo o território italiano com uma
única rede de fibra pública e neutra, cabeando todo o território italiano,
incluindo áreas do interior e aldeias, norte e sul da Itália. Mas, não basta,
infraestruturas críticas significam também acelerar no 5G, em que estão em jogo
as grandes questões geoestratégicas do futuro e investir em infraestruturas de
nuvem seguras e Inteligência
Artificial. A Europa concentra-se agora na sua nova estratégia de Plano
de Recuperação
(Recovery
Plan), em que ao lado de baterias
elétricas e hidrogênio investe em computação em nuvem com o projeto
franco-alemão GaiaX,
o desafio de gerenciar, de maneira europeia, infraestruturas em nuvem hoje dominadas pelos
gigantes americanos e chineses, com uma infraestrutura federada, de código
aberto (open source) e interoperável. É um primeiro passo importante
para uma política europeia de tecnologia, que visa recuperar a soberania
sobre os dados, uma batalha que a Itália deve jogar com determinação. Na
verdade, os dados são a matéria-prima da economia digital. A utilização
inteligente dos dados é de grande interesse público, o seu valor público deve
ser reconhecido, como uma infraestrutura ao serviço das cidades, cidadãos e empresas
para criar inovação. É importante sublinhar que a recuperação do controlo das
infraestruturas digitais requer uma nova estratégia industrial e de inovação em
nível pan-europeu, atendendo ao montante de recursos, competências e
investimentos necessários.
2. A exclusão digital também
significa competências digitais. A Itália gasta apenas 0,5% do PIB a
cada ano em pesquisa pública, cerca de metade do que os países do Norte da
Europa gastam. A Itália é o quarto último na Europa no índice DESI da Comissão Europeia
sobre digitalização. A pesquisa e a ciência
são o motor da inovação tecnológica: sem transferência de tecnologia se reduz a
capacidade de inovação das empresas, bem como a produtividade e a criação de
novos empregos de qualidade. Não basta apenas investir mais em capital humano e
pesquisa, é preciso dar um salto qualitativo no fortalecimento do vínculo
entre ciência e indústria, na base da inovação, com vistas a apoiar todo o sistema-país,
no modelo da Fraunhofer Society alemã. Nesse sentido, o Fondo Nazionale Innovazione que presido é uma boa notícia, com um
bilhão a ser investido em toda a cadeia de suprimentos de empresas inovadoras,
para criar 1000 novas startups, aceleradores de nova geração, pólos de
transferência de tecnologia e capital de risco corporativo (corporate venture
capital). Necessita ter, também, uma forte sensibilidade de gênero.
Ainda existe uma forte lacuna de gênero no setor de tecnologia (como de fato em
toda a nossa sociedade). A revolução digital também deve ser uma revolução
feminista.
3. Finalmente, não há país
moderno e digital sem uma burocracia smart. Digitalizar o público não
significa apenas introduzir novos aplicativos (apps), identidades digitais e
novos serviços digitais, mas implica uma mudança organizacional e cultural. Em
primeiro lugar, significa tornar o público sexy, atrair jovens e talentos com
as aptidões e competências certas e colocá-los a trabalhar para transformar as
administrações. quando era assessora em
Barcelona, para afrontar à transformação digital, contratei 65 pessoas novas,
quase todos jovens, apenas saios das melhores universidades do país.
Para além de resolver os nossos
atrasos a curto prazo, temos também de enfrentar os desafios políticos a
longo prazo, à escala europeia e global. No cerne dessas questões
importantes para redesenhar a economia do futuro, há uma forte necessidade
de restaurar a soberania tecnológica europeia e, portanto, também italiana.
Nesta perspectiva, é necessária uma perspectiva progressiva e de longo prazo.
Menciono quatro desafios principais:
1. O primeiro desafio é uma
nova dimensão geopolítica: Uma das questões importantes é permanecer
competitivo em um sistema econômico global no qual a batalha geoestratégica
está centrada na supremacia tecnológica: da corrida para 5G, para computação
quântica, para o chip de próxima
geração, para Inteligência artificial e soberania de dados. A Europa não tem
empresas que possam competir neste nível, e todas as infraestruturas nacionais
críticas (tanto de hardware como de software e fluxos de dados) são construídas
fora da União: isto pode representar um grande risco no longo prazo para o
crescimento, o emprego e a influência da Europa em setores-chave.
2. Isso nos leva ao segundo
desafio, o desafio da regulamentação, levando em consideração a
concentração atual do mercado: Para Big Tech, uma pandemia é um choque - mas,
ao contrário de todos nós, é um choque positivo. As vendas online estão
crescendo 22%. Enquanto todas as outras empresas desaceleraram, as empresas de
tecnologia aceleraram os investimentos e as aquisições, dando origem a uma
concentração industrial sem precedentes na história recente. A Amazon aumentou
sua valorização no mercado em 400 bilhões de dólares e os grandes players
digitais (americanos e chineses) atingiram um preço total de mais de 6 trilhões
de dólares no mercado acionário. Esta extrema concentração de mercado também
está trazendo um novo centro para a capacidade dos governos de intervir na
economia: leis antitruste mais frouxas, participações governamentais e controle
de aquisições estrangeiras em setores estratégicos para bloquear aquisições
hostis fazem parte do pós-cartilha política da Covid, conforme definido no Livro
Branco, "Livro Branco sobre os subsídios estrangeiros no Mercado
Único" (White Paper on foreign subsidies in the Single Market), publicado
pelo Comissário Vestager e na Lei de Comércio Exterior da Alemanha. Também é
evidente que a regulamentação dos gigantes tecnológicos também exige um novo
sistema de tributação digital no qual as grandes empresas pagam impostos onde
obtêm seus lucros, sem recorrer a paraísos fiscais. Se isto não for feito
dentro da OCDE (agora prejudicada pelos Estados Unidos), a Comissão, como disse
o Comissário Gentiloni, está
determinada a avançar no nível europeu.
3. O terceiro desafio é o
industrial: devemos então agir com coragem para antecipar as profundas
mudanças no mercado de trabalho e fazer uma aplicação rigorosa das leis
trabalhistas para a economy gig
para conter a crescente precariedade das plataformas (que durante a pandemia se
revelou como empregos essenciais) e o movimento de empregos bem remunerados
devido à automação industrial e inteligência artificial que trazem maior
eficiência e maior rendimento. É claro que a riqueza neste cenário econômico
modificado terá que ser capturada e compartilhada de novas maneiras.
4) E, finalmente, o desafio
democrático: que é, em minha opinião, o cerne da questão: muitas pessoas
perderam o senso de propósito na sociedade, também porque os fundamentos da
democracia e do espaço público são minados por uma nova forma de poder
algorítmico que está substituindo gradativamente a esfera pública habermasiana,
administrada pelos grandes gigantes digitais que se enriqueceram com nossos
dados. O mal-estar surgiu claramente com o crescimento exponencial de notícias
falsas, ódio e ataques racistas online, com polêmica destacada pelo movimento Black
Lives Matter, que tem levado ao boicote e à perda de verbas publicitárias
de grandes empresas preocupadas em ser associadas a conteúdo inflamatório
postado nessas plataformas. O crescimento deste novo poder também está gerando
uma nova oligarquia, uma classe de bilionários como Bezos e Zuckerberg que se
tornaram extremamente enriquecidos pela crise atual, mas que são incapazes de
lidar com a responsabilidade resultante.
Isso tem implicações profundas na
forma como os cidadãos se relacionam entre si e com o estado, incluindo o medo
existencial - de manipulação, sobrecarga de informações, inautenticidade -
criado pelas externalidades dos gigantes digitais. Uma forma de poluição da
informação que corre o risco de levar os cidadãos a buscar homens fortes como
Trump ou Bolsonaro, e o crescimento do populismo e do nacionalismo, que cresce
pela manipulação da raiva social.
Somente implementando medidas
ambiciosas, tanto no curto prazo, mas também com uma perspectiva estratégica de
longo prazo, poderemos quebrar a lógica binária que sempre nos apresenta dois
cenários futuros para o digital: o primeiro é o do Grande Estado, o modelo
descendente e mais orwelliano da China, que, embora eficaz, pode limitar
seriamente nossos direitos constitucionais. A outra é a Big Tech do Vale do
Silício, que a professora da Harvard Business School, Shoshana Zuboff chama de capitalismo
de vigilância, que deposita mais confiança na Big Tech. Isso também pode
funcionar, mas terá efeitos deletérios sobre a democracia no longo prazo.
Essas não são as únicas opções. Existe
também uma terceira via, entre o Big State e a Big Tech, que é a Big Democracy,
uma democracia dos dados, da participação dos cidadãos e da tecnologia ao
serviço da sociedade. É chegado o momento de demonstrar que o podemos
fazer, propondo um modelo de soberania tecnológica europeia, que signifique
um novo humanismo digital, uma revolução tecnológica ao serviço das pessoas
e da transição ecológica, fazendo da tecnologia um direito e uma oportunidade
para muitos e não. um privilégio para alguns.
Francesca Bria - President, Italian Innovation Fund @GruppoCDP. Honorary Professor @IIPP_UCL. Founder @decodeproject. Former CTO @BCN_digital. https://www.francescabria.com
tradução de paulo celso da silva com expressa
autorização da autora
Original disponível em : https://medium.com/@francescabria/recovery-post-covid-19-recuperare-la-sovranit%C3%A0-tecnologica-europea-e-italiana-come-risposta-al-793284f61ced
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