Recovery Italiano: Recuperando a soberania tecnológica, olhando para a Europa e investindo no futuro.

em sexta-feira, 28 de agosto de 2020

 Recovery Italiano: Recuperando a soberania tecnológica, olhando para a Europa e investindo no futuro.

Fracesca Bria



foto arturo blasco 2020

 

Aqui o vídeo de meu discurso

https://www.facebook.com/partitodemocratico/videos/296467501713269


Estamos ainda no meio de uma emergência global, que representa um choque econômico sem precedentes, "a pior recessão desde a Grande Depressão". Décadas de polarização econômica aumentaram as desigualdades e criaram uma precariedade generalizada, que o lockdown agravou para muitas pessoas. Quanto mais profunda a crise, mais provável é que as pessoas não estejam pedindo um retorno ao normal, mas um salto para algo diferente e melhor. Hoje, a pergunta a ser feita é se somos capazes de transformar essa emergência em uma oportunidade histórica de reconfigurar sociedades e economias melhores, olhando para o futuro.

Para enfrentar a transformação digital de forma estrutural, precisamos entender o impacto de suas mudanças e saber orientá-la e governá-la. Precisamos colocar as pessoas no centro e deixar claro que essa transformação digital que temos em mente dará mais poder aos cidadãos e às comunidades, não criará novas desigualdades e melhorará as condições de trabalho. E é uma questão central na agenda política, pois não devemos apenas acelerar a digitalização, mas também orientá-la, porque se trata de usar as tecnologias digitais para alcançar a sustentabilidade social e ambiental.

No que diz respeito à agenda italiana de curto e médio prazos, três elementos emergem em particular:

1. Em primeiro lugar, o fosso digital da infraestrutura: as infraestruturas de rede revelaram-se infraestruturas críticas das quais dependem os serviços essenciais da sociedade e, por isso, o seu acesso deve ser visto como um direito fundamental de todos os cidadãos. Portanto, é necessário conectar todo o território italiano com uma única rede de fibra pública e neutra, cabeando todo o território italiano, incluindo áreas do interior e aldeias, norte e sul da Itália. Mas, não basta, infraestruturas críticas significam também acelerar no 5G, em que estão em jogo as grandes questões geoestratégicas do futuro e investir em infraestruturas de nuvem seguras e Inteligência Artificial. A Europa concentra-se agora na sua nova estratégia de Plano de Recuperação (Recovery Plan), em que ao lado de baterias elétricas e hidrogênio investe em computação em nuvem com o projeto franco-alemão GaiaX, o desafio de gerenciar, de maneira europeia,  infraestruturas em nuvem hoje dominadas pelos gigantes americanos e chineses, com uma infraestrutura federada, de código aberto (open source) e interoperável. É um primeiro passo importante para uma política europeia de tecnologia, que visa recuperar a soberania sobre os dados, uma batalha que a Itália deve jogar com determinação. Na verdade, os dados são a matéria-prima da economia digital. A utilização inteligente dos dados é de grande interesse público, o seu valor público deve ser reconhecido, como uma infraestrutura ao serviço das cidades, cidadãos e empresas para criar inovação. É importante sublinhar que a recuperação do controlo das infraestruturas digitais requer uma nova estratégia industrial e de inovação em nível pan-europeu, atendendo ao montante de recursos, competências e investimentos necessários.

2. A exclusão digital também significa competências digitais. A Itália gasta apenas 0,5% do PIB a cada ano em pesquisa pública, cerca de metade do que os países do Norte da Europa gastam. A Itália é o quarto último na Europa no índice DESI da Comissão Europeia sobre digitalização. A pesquisa e a ciência são o motor da inovação tecnológica: sem transferência de tecnologia se reduz a capacidade de inovação das empresas, bem como a produtividade e a criação de novos empregos de qualidade. Não basta apenas investir mais em capital humano e pesquisa, é preciso dar um salto qualitativo no fortalecimento do vínculo entre ciência e indústria, na base da inovação, com vistas a apoiar todo o sistema-país, no modelo da Fraunhofer Society alemã. Nesse sentido, o  Fondo Nazionale Innovazione que presido é uma boa notícia, com um bilhão a ser investido em toda a cadeia de suprimentos de empresas inovadoras, para criar 1000 novas startups, aceleradores de nova geração, pólos de transferência de tecnologia e capital de risco corporativo (corporate venture capital). Necessita ter,  também, uma forte sensibilidade de gênero. Ainda existe uma forte lacuna de gênero no setor de tecnologia (como de fato em toda a nossa sociedade). A revolução digital também deve ser uma revolução feminista.

3. Finalmente, não há país moderno e digital sem uma burocracia smart. Digitalizar o público não significa apenas introduzir novos aplicativos (apps), identidades digitais e novos serviços digitais, mas implica uma mudança organizacional e cultural. Em primeiro lugar, significa tornar o público sexy, atrair jovens e talentos com as aptidões e competências certas e colocá-los a trabalhar para transformar as administrações.  quando era assessora em Barcelona, para afrontar à transformação digital, contratei 65 pessoas novas, quase todos jovens, apenas saios das melhores universidades do país.

Para além de resolver os nossos atrasos a curto prazo, temos também de enfrentar os desafios políticos a longo prazo, à escala europeia e global. No cerne dessas questões importantes para redesenhar a economia do futuro, há uma forte necessidade de restaurar a soberania tecnológica europeia e, portanto, também italiana. Nesta perspectiva, é necessária uma perspectiva progressiva e de longo prazo. Menciono quatro desafios principais:

1. O primeiro desafio é uma nova dimensão geopolítica: Uma das questões importantes é permanecer competitivo em um sistema econômico global no qual a batalha geoestratégica está centrada na supremacia tecnológica: da corrida para 5G, para computação quântica, para o chip de  próxima geração, para Inteligência artificial e soberania de dados. A Europa não tem empresas que possam competir neste nível, e todas as infraestruturas nacionais críticas (tanto de hardware como de software e fluxos de dados) são construídas fora da União: isto pode representar um grande risco no longo prazo para o crescimento, o emprego e a influência da Europa em setores-chave.

2. Isso nos leva ao segundo desafio, o desafio da regulamentação, levando em consideração a concentração atual do mercado: Para Big Tech, uma pandemia é um choque - mas, ao contrário de todos nós, é um choque positivo. As vendas online estão crescendo 22%. Enquanto todas as outras empresas desaceleraram, as empresas de tecnologia aceleraram os investimentos e as aquisições, dando origem a uma concentração industrial sem precedentes na história recente. A Amazon aumentou sua valorização no mercado em 400 bilhões de dólares e os grandes players digitais (americanos e chineses) atingiram um preço total de mais de 6 trilhões de dólares no mercado acionário. Esta extrema concentração de mercado também está trazendo um novo centro para a capacidade dos governos de intervir na economia: leis antitruste mais frouxas, participações governamentais e controle de aquisições estrangeiras em setores estratégicos para bloquear aquisições hostis fazem parte do pós-cartilha política da Covid, conforme definido no Livro Branco, "Livro Branco sobre os subsídios estrangeiros no Mercado Único" (White Paper on foreign subsidies in the Single Market), publicado pelo Comissário Vestager e na Lei de Comércio Exterior da Alemanha. Também é evidente que a regulamentação dos gigantes tecnológicos também exige um novo sistema de tributação digital no qual as grandes empresas pagam impostos onde obtêm seus lucros, sem recorrer a paraísos fiscais. Se isto não for feito dentro da OCDE (agora prejudicada pelos Estados Unidos), a Comissão, como disse o Comissário Gentiloni, está determinada a avançar no nível europeu.

3. O terceiro desafio é o industrial: devemos então agir com coragem para antecipar as profundas mudanças no mercado de trabalho e fazer uma aplicação rigorosa das leis trabalhistas para a economy  gig para conter a crescente precariedade das plataformas (que durante a pandemia se revelou como empregos essenciais) e o movimento de empregos bem remunerados devido à automação industrial e inteligência artificial que trazem maior eficiência e maior rendimento. É claro que a riqueza neste cenário econômico modificado terá que ser capturada e compartilhada de novas maneiras.

4) E, finalmente, o desafio democrático: que é, em minha opinião, o cerne da questão: muitas pessoas perderam o senso de propósito na sociedade, também porque os fundamentos da democracia e do espaço público são minados por uma nova forma de poder algorítmico que está substituindo gradativamente a esfera pública habermasiana, administrada pelos grandes gigantes digitais que se enriqueceram com nossos dados. O mal-estar surgiu claramente com o crescimento exponencial de notícias falsas, ódio e ataques racistas online, com polêmica destacada pelo movimento Black Lives Matter, que tem levado ao boicote e à perda de verbas publicitárias de grandes empresas preocupadas em ser associadas a conteúdo inflamatório postado nessas plataformas. O crescimento deste novo poder também está gerando uma nova oligarquia, uma classe de bilionários como Bezos e Zuckerberg que se tornaram extremamente enriquecidos pela crise atual, mas que são incapazes de lidar com a responsabilidade resultante.

Isso tem implicações profundas na forma como os cidadãos se relacionam entre si e com o estado, incluindo o medo existencial - de manipulação, sobrecarga de informações, inautenticidade - criado pelas externalidades dos gigantes digitais. Uma forma de poluição da informação que corre o risco de levar os cidadãos a buscar homens fortes como Trump ou Bolsonaro, e o crescimento do populismo e do nacionalismo, que cresce pela manipulação da raiva social.

Somente implementando medidas ambiciosas, tanto no curto prazo, mas também com uma perspectiva estratégica de longo prazo, poderemos quebrar a lógica binária que sempre nos apresenta dois cenários futuros para o digital: o primeiro é o do Grande Estado, o modelo descendente e mais orwelliano da China, que, embora eficaz, pode limitar seriamente nossos direitos constitucionais. A outra é a Big Tech do Vale do Silício, que a professora da Harvard Business School, Shoshana Zuboff chama de capitalismo de vigilância, que deposita mais confiança na Big Tech. Isso também pode funcionar, mas terá efeitos deletérios sobre a democracia no longo prazo.

Essas não são as únicas opções. Existe também uma terceira via, entre o Big State e a Big Tech, que é a Big Democracy, uma democracia dos dados, da participação dos cidadãos e da tecnologia ao serviço da sociedade. É chegado o momento de demonstrar que o podemos fazer, propondo um modelo de soberania tecnológica europeia, que signifique um novo humanismo digital, uma revolução tecnológica ao serviço das pessoas e da transição ecológica, fazendo da tecnologia um direito e uma oportunidade para muitos e não. um privilégio para alguns.

Francesca Bria - President, Italian Innovation Fund @GruppoCDP. Honorary Professor @IIPP_UCL. Founder @decodeproject.  Former CTO @BCN_digital. https://www.francescabria.com

 

tradução de paulo celso da silva com expressa autorização da autora

 

Original disponível em : https://medium.com/@francescabria/recovery-post-covid-19-recuperare-la-sovranit%C3%A0-tecnologica-europea-e-italiana-come-risposta-al-793284f61ced

 



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